JOÃO DO REGO GADELHA
( BRASIL - PARÁ )
Membro (sócio correspondente) da Academia Piauiense de Letras, Teresina (PI).
Membro (sócio correspondente) da Academia Anapolina de Filosofia, Ciências e Letras de Anápolis (GO). Membro (sócio correspondente) da International Academy of Letters of England, Londres, Inglaterra.
NOVA POESIA BRASILEIRA. Capa: Christina Oiticica. Rio de Janeiro: Shogun Editora e Arte Ltda, 1986. 124 p. No. 10 856
Antologia cedida gentilmente pelo livreiro BRITO, de Brasília.
Exemplar da biblioteca de Antonio Miranda
CALÇADAS
Se as calçadas vivas fossem, falassem,
do seu túmulo frio, inerte, deserto,
certamente bradariam,
em clamor horripilantes,
a julgar pelos passos nelas constantes.
Observariam, como testemunhas oculares,
de dia ou à noite:
pessoas, apressadas
alegres
doentes
felizes
outras infelizes;
belas
outras feias
de mãos dadas
namorando, transando...
outras se amando...
Pés grandes
chatos
pequeninos
descalços
(acima sem calças...)
Sapatos bonitos,
feios
rasgados
lonados
esfarrapados
simples sandálias
com alças quebradas!
Imagens diversas de um povo andante, circulante...
Cortariam, ainda,
gente em correria,
em perseguição
do ladrão
do assassino
do atrevido
vagabundo
simi-nudo
cascudo!
Lá na esquina, anotariam,
os que aguardam, sisudos,
na parada, o ônibus,
o coletivo
de obreiros
bem brasileiros.
Registrariam, alegrementes, sorridentes, as mutações:
Outono
Inverno
Primavera
Verão.
Continuariam, silenciosas, indiferentes,
às chuvas
ao calor
às flores cadentes
às enchentes
aos flagelados
ao desastre ecológico
(coisas ilógicas);
ao mendigo, carente,
de mão estendida
a pedir o pão,
e, a resposta, em vão:
— Perdoe! Agora não!
Manchar-se-iam de sangue — sangue humano!
Acolheriam o cachorro inerte, o bêbedo imberbe,
vítimas do social dantesco!
Brotariam lágrimas, mais lágrimas, sem repercussão!
Inflexível, aos olhares d´outros, contudo,
preferem a inércia
p´ra não participar, parecem
desse vai e vem
da espécie desumana:
semi-morta
torta
sangrenta
violenta
poeirenta
ignóbil!
Nesta altura da história, alguém grita:
Quebrem as calçadas!
Aqui passará o metrô!
A calçada vira túnel:
sem passos
sem voz
sucumbe
desaparece
ao desafio tecnológico!
Continuam mudas!
*
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Página publicada em julho de 2025.
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